A crônica de um jogo perfeito


Um sonho dourado de um jogo de futebol sem as mazelas humanas

Certa vez, numa conversa informal, eu e Oscar Ulisses, um dos maiores narradores do rádio brasileiro e meu ídolo, brincávamos sobre o que seria o “inferno de um narrador”. Paisagem umbralina que refletia a Rua Javari, casa do Juventus da Mooca, com uma chuva torrencial, uma partida de futebol eterna que nunca sai do zero a zero, descreveu ele. Rimos imaginando a cena.

Lembrei desta história para revertê-la para melhorar a sintonia dos pensamentos e imaginei o que seria o nosso “céu”. Difícil imaginar um time “contra” o outro numa tentativa de mostrar superioridade numa colônia espiritual de alto escalão. No entanto, como alguns dizem por aqui, “é só um jogo”, então vamos lá. Feche os olhos e imagine:

Gramado perfeito, sem um buraco, linhas brancas como neve demarcando o campo. O presidente da colônia seria o árbitro, garantindo a isenção com um VAR de última geração, exportando uma tela mental com os lances de dúvida para todos nas arquibancadas.

Em campo, pareciam dois “Barcelonas” se enfrentando. Um jogo coletivo como nunca se viu. Era natural de cada jogador dar a bola ao companheiro. Caridade em campo. Num dos lances, Alcebíades, na cara do gol, passava a bola para Marcos, que lhe devolvia imediatamente enquanto o goleiro adversário corria atrás da bola. Um queria servir o tento ao colega. Cléber, vindo de trás, acabou com a festa e fez 1 a 0. Comemoração do “aviãozinho” do Zagallo, com ele sorrindo à beira do campo pela homenagem.

Curioso, o time que sofreu o gol também sorriu. Se divertiu com a situação dos atacantes e, embora estivessem atrás no placar, sorviam do momento de alegria do time jamais adversário. O jogo seguiu sem faltas. Não houve um cartãozinho amarelo. Nada de reclamação, gritaria, xingamentos. Nada. Parecia transmissão da Premier League inglesa. O primeiro tempo acabou com mais de 600 passes trocados entre os 22 jogadores. Lindo de ver.

Drible, só em direção ao gol. Nada de menosprezo ao oponente, tampouco a tal “malicia”. Aos que possam achar “sem graça”, a tabela de 1-2 entre Carlos, Bataglia e Clodomiro foi de encher os olhos. Toques de letra, altinha e tudo mais num único lance. Arte pura do futebol coletivo. Terminou num gol de placa para empatar a partida, chapelando o goleiro. Todos aplaudiram. As duas torcidas, os dois times. Após os gols, os dois arqueiros fizeram defesas inacreditáveis, aproveitando sua capacidade de levitar, lógico.

Chamava a atenção uma ala da arquibancada. Era de visitantes, mas não como conhecemos aqui. Espíritos de orbes menos adiantadas que aproveitavam o jogo para aprender valores elevados na prática esportiva. Companheirismo, desprendimento, parceria, respeito ao adversário, união e pensamento coletivo. Dizem que o esporte ensina sem escrever em lousa as lições mais ricas da vida. Se vale para nós, cabe também na verdadeira existência: a espiritual.

Ah… o jogo terminou 1 a 1.